Autor: Dr. Daniel Panarotto
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Frederick Banting e Charles Best ganharam o Nobel de Medicina com sua pesquisa sobre diabetes. |
Marcos da descoberta da insulina
Em 1922 a geopolítica global estava sofrendo mudanças, sequelas da primeira guerra mundial (1914-1918). No cenário internacional, ocorreria, naquele ano, a independência do Egito, a nomeação de Benito Mussolini como 1º Ministro da Itália, a extinção do império Otomano e a formação da União Soviética (URSS). No Brasil, ocorreria a Semana de Arte Moderna em São Paulo e a revolta dos 18 do Forte de Copacabana. Ainda, nasceria José Saramago e faleceria Alexander Graham Bell. Mas um acontecimento mudaria para sempre a vida das pessoas com diabetes: em 11 de janeiro, Leonard Thompson, um adolescente diabético de 14 anos, à beira da morte, recebeu a primeira injeção de um extrato purificado de insulina.
Thompson, cujo diabetes fora diagnosticado aos 11 anos, estava em tratamento com a dieta da inanição de Allen, que era o melhor meio disponível até então, para prolongar a vida de pacientes diabéticos. A primeira injeção levou a um abscesso local e mínima diminuição da glicemia. Porém, com aplicações diárias mais purificadas, obteve melhora dos sintomas e seu diabetes ficou melhor controlado. Ele sobreviveu até os 27 anos, quando faleceu em decorrência de uma pneumonia. No mês seguinte, mais seis pacientes receberam insulina. A descoberta da insulina foi um sucesso.
A primeira descrição conhecida da diabetes mellitus (DM) ocorreu no Egito, sendo relatada no papiro de Ebler, em torno de 552 AC. No entanto, até o início do século XX, nenhum tratamento para diminuir a glicemia era realmente eficaz. Entretanto, nas décadas finais do século XIX e no início do século XX foram descobertos inúmeros aspectos relacionados à anatomia e fisiologia pancreáticas.
J.L. 5 anos antes e 3 meses depois de receber insulina (dezembro de 1922/fevereiro de 1923). |
Nesta época havia uma verdadeira corrida para se isolar um extrato pancreático útil para administração em humanos. Alguns pesquisadores chegaram mais longe, como Georg Ludwig Zuelzer, com o ‘acomatol’, e Nicolas Paulesco, com a pancreína.
A ideia principal
Porém, somente em 1920, Frederick Grant Banting teve uma ideia de como isolar a chamada “secreção interna” do pâncreas. Decidiu propor seu método ao consagrado professor de fisiologia, John James Rickard Macleod, da Universidade de Toronto. Conhecedor dos esforços realizados até então para se obter um extrato pancreático útil, Macleod encarou com ceticismo a proposta de Banting, cuja maior experiência advinha das cirurgias ortopédicas que fizera durante a Primeira Guerra Mundial. Relutante, Macleod cedeu 10 cães, um assistente (Charles Best) e um pequeno laboratório fora de uso para o início da pesquisa.
A ideia de Banting era que, se os ductos pancreáticos fossem ligados, haveria uma degeneração dos ácidos e, assim, seria possível obter uma secreção pancreática interna sem a externa. Em 17 de maio de 1921, Banting e Best buscaram obter o extrato contendo a secreção interna, conforme o planejado, e o injetaram em cães pancreatectomizados. Apesar dos esforços, o experimento foi desastroso, pois 7 dos 10 cachorros morreram.
Frederick Grant Banting (à direita) e Charles Best (à esquerda). |
Durante os meses seguintes, Banting e Best trabalharam com afinco e foram melhorando os procedimentos para obtenção do extrato, assim como a técnica de pancreatectomia, com base mais no método de tentativas e erros do que embasados de um sólido conhecimento teórico.
Em dezembro, obtiveram sucesso, ao usar álcool para preparar o extrato fetal de um vitelo, o que motivou Macleod a convidar o bioquímico James Bertram Collip, a juntar-se ao grupo. Coliip introduziu importantes melhorias ao método de Banting e Best e estes esforços culminaram com a purificação e, consequentemente, o isolamento da insulina, chamada então de isletina. Seu trabalho foi fundamental para que o extrato pudesse ser utilizado em humanos, pois reduziu a taxa de reações adversas na aplicação subcutânea.
Em 1922, Banting e Macleod receberam o Prêmio Nobel de Medicina.
Os anos seguintes
Nos anos que sucederam à descoberta da insulina, muitas modificações foram feitas nos métodos de obtenção do hormônio, levando a uma maior duração de ação e purificação, tornando o tratamento do diabetes mais confortável e eficaz.
O isolamento e administração da insulina em seres humanos significou a diferença entre a vida e a morte para pacientes diabéticos, especialmente para os com diabetes tipo 1. Como consequência da maior longevidade proporcionada pelo tratamento adequado, os portadores de diabetes passaram a apresentar as consequências a longo prazo da hiperglicemia, que eram pouco conhecidas até então. Hoje, as pessoas com diabetes têm uma longa expectativa de vida e nosso desafio é diminuir o risco dessas complicações, proporcionando assim uma melhor qualidade de vida às pessoas com a doença.
(Este post é um extrato modificado do artigo “A conturbada História da Descoberta da Insulina” apresentado no congresso Brasileiro de História da Medicina ocorrido em Caxias do Sul em outubro de 2017. Contribuíram para este artigo as acadêmicas Aline Spiazzi e Crislli Preussler Chiaradia)
Referências Bibliográficas
- BLISS, Michael. A descoberta da insulina: edição do vigésimo quinto aniversário. 25. Chicago: University Of Chicago Press, 2007;
- HERDER, Wouter W. de. Heróis em endocrinologia: Prêmios Nobel. Conexões Endócrinas, Rotterdam, v. 3, n. 3, p. 94-104, 23 jul. 2014;
- ROSENFELD, Louis. Insulina: Descoberta e Controvérsia. Clin Chem, Brook.